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O desenvolvimento da linguagem e o acesso a tecnologias

1 (6) O acesso a tablets e smartphones tem aumentado impressionantemente nos últimos anos e tem atingido crianças de todas as idades e classes sociais. Listas de aniversário e natal? Lá estão eles! Visita a casa do amiguinho? Olha eles de novo! Férias na praia ou na fazenda? Na mala eles não podem faltar!

O uso dessas tecnologias também tem sido tema de conversas de pais/responsáveis dos pequenos: “ainda não domina as sequências numéricas, mas já identifica a senha para desbloquear”; “falta muito para iniciar a alfabetização, mas já localiza o aplicativo favorito”; “distrai-se por horas em frente a telinha, parece que não tem criança ali”; e assim por diante.

Nos consultórios fonoaudiológicos não é diferente! O acesso à tablets/smartphones é assunto frequente neste ambiente em que se costuma investigar: quando se iniciou o contato com as mídias eletrônicas; qual o tempo diário de uso (acrescenta-se também outros velhos conhecidos – o computador e o DVD); se a criança substitui as brincadeiras convencionais (bonecas, carrinhos, andar de bicicleta, esconde-esconde, etc.) pelo uso dos eletrônicos; se existe o contato com outras crianças; se há interação com os pais e como costuma ser esse contato.

O interesse dos fonoaudiólogos nesse assunto ocorre em função da provável influência no desenvolvimento da linguagem[1]. Ela pode ser didaticamente dividida em cinco subsistemas: pragmática (uso da linguagem em situações comunicativas), semântica (significado das palavras), sintaxe (combinação de palavras em frases), morfologia (organização dos sons em palavras) e fonologia (organização dos sons, a fala). Questiona-se em que medida o uso de tecnologias influencia o desenvolvimento desses aspectos fundamentais para uma comunicação efetiva entre as pessoas.

Para que o desenvolvimento da linguagem ocorra de maneira efetiva, além da preservação do sistema nervoso (e seus processos cognitivos – percepção, atenção, memória, raciocínio, entre outros), sistema motor e das estruturas dos órgãos fonoarticulatórios (lábios, língua, dentes, entre outros), também são fundamentais o interesse do aprendiz na linguagem, a valorização da linguagem no meio e a qualidade das interações comunicativas. E é nessas três últimas condições listadas que se enquadram as preocupações frente ao uso excessivo de tais tecnologias.

Os pais/responsáveis muitas vezes não se dão por conta da riqueza da interação comunicativa, verbal ou não verbal com seus filhos pequenos. Imitar o balbucio e as expressões faciais do bebê nos primeiros meses de vida; conversar durante e sobre as atividades de rotina diária (alimentação, banho e caminhada até o parque); ou então, ler uma aventureira história infantil, dentre outros muitos exemplos, atividades simples, muitas delas corriqueiramente já aplicadas no dia-a-dia do lar que correspondem sim a experiências valorosas para a estimulação da linguagem como um todo.

A diminuição da interação social, ou da troca de estímulos comunicativos, pela presença descontrolada das tecnologias, pode sim resultar na perda de momentos importantes para o desenvolvimento infantil e muitas vezes resultar ou contribuir para o agravo dos atrasos de linguagem, trocas de sons na fala (denominadas desvios fonológicos) e, mais tarde, para as dificuldades escolares.

Acredita-se que o uso desses recursos eletrônicos não é todo prejudicial, desde que empregado de maneira positiva, em prol do desenvolvimento infantil. A facilidade e a rápida aprendizagem das crianças em manusear novas tecnologias podem ser aplicadas a favor do seu desenvolvimento, como, por exemplo, para fins educativos (podendo ser incluídos, inclusive, na terapia fonoaudiológica), abarcando aplicativos, jogos ou filmes que auxiliem na expansão do vocabulário, nos processos de atenção e de memória, de leitura e escrita, entre outros.

Com isso, a ordem é: moderação no uso das mídias comunicativas pelas crianças! Sem esquecer, contudo, que o modelo fornecido pelo adulto é fundamental.

Em síntese, o desenvolvimento da linguagem certamente não está restrito exclusivamente a utilização ou não de tablets e smartphones pelas crianças. Um meio ambiente propício requer, não apenas prudência no uso dessas tecnologias, mas, sobretudo, ações que favoreçam esse progresso. O contato e a comunicação entre as pessoas são as melhores maneiras de estimular o desenvolvimento da linguagem. Por isso, acima de tudo, converse e brinque com a criança.

 

robertaRoberta Michelon Melo – Fonoaudióloga – Mestre e Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria

[1] Entende-se por linguagem a definição da American Speech Language Hearing Association – ASHA (tradução: Associação Americana de Fala Linguagem Audição): “A Linguagem é a capacidade humana para compreender e usar um sistema complexo e dinâmico de símbolos convencionados, usado em modalidades diversas para comunicar e pensar”. Ainda: “A linguagem é a compreensão e/ou uso da fala (isto é, ouvir e falar), da escrita (ou seja, ler e escrever) e/ou de outro sistema de comunicação simbólica (por exemplo, a língua de sinais)”.